quinta-feira, 29 de julho de 2010

BEBENDO ABISMOS

eu avisei
desde o princípio
nada aconteceria
entre o primeiro dia e o último
a pele não muda
quando precisamos
a palavra não emudece
à nossa frente
apenas um copo
repleto de abismos
desde o início

eu falei
e nada que se fale
será olvido
tudo que é preciso
será inútil
todo necessário
será sonho

eu não disse
desde o começo
medir os desejos
leva à culpa
espancar os medos
nunca sangra
nem adianta
vir com beijos
eu não tenho boca
para isso

quinta-feira, 22 de julho de 2010

TATEANDO NÃO VEJO O QUE ME FIZ

quando arrancaram meus olhos
só faltei chorar
ceguei gritei sangrei mas não chorei

quando me arrancaram os olhos
eu estava dormindo
sonhando com paisagens apagadas

quando me arrancaram os olhos
só faltei chorar
nem vi porque dormi um pouco
além da conta

quando arrancaram os meus olhos
só faltei chorar
tudo o mais que eu tinha direito fiz
porém com tato

DA NUDEZ COMO FORMA DE DEGUSTAÇÃO

nua
da cintura pra fora
o mundo é um caminho sem demora

nua
da cintura pra cima
poema intoxicado pela rima

nua
da cintura pra baixo
a fêmea do abismo não tem macho

nua
da cintura pra dentro
o princípio de tudo é o centro

CURATIVO

no começo pensei que fosse
uma dor comum e logo passaria

pensei que se piorasse
qualquer analgésico resolveria

pensei que por ser suportável
eu me acostumaria

pensei que se eu disfarçasse
ninguém perceberia

pensei que fosse uma dor só minha
mas todo mundo sentia

pensei que se eu me abandonasse
mesmo assim a dor me acompanharia

pensei em mudar o conceito da dor
mas mudar o conceito não a extinguiria

então escrevi nesta página
e a dor se tornou poesia

quarta-feira, 21 de julho de 2010

NOTURNO

o pedaço que falta
da poesia
não tem autorização
para funcionar
durante o dia

o pedaço que falta
da poesia
acende a noite
porém não cabe
na minha mão
apenas queima
a minha escuridão

quinta-feira, 15 de julho de 2010

VENENOS

se você viver
vai sofrer
se você morrer
vai sofrer
se escolher viver
saberá o valor do veneno
se escolher morrer
saberá o sabor do veneno
seja qual for a escolha
o veneno estará presente
a felicidade consiste
em escolhas erradas

terça-feira, 13 de julho de 2010

DESMEMORIADO RETICENTE

a felicidade
arranha o disco
da serenidade

a infelicidade
não tem pontas
desce reta
até o ponto

eu quero as coisas curvas
mesmo as curtas
não precisam
de memória

REVOADA

as palavras fogem pela janela
não encontram poetas
tornam-se estrelas

segunda-feira, 5 de julho de 2010

nove furos

um ralo
com vinte e quatro furos
cobrindo o furo maior
sou um ralo
com nove furos
cobrindo um ralo menor
a precisão da minha água
não dá em nada
não lava
não vale a vala
que cava
a precisão é turva
deságua seca
sem curva

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...